Os Eixos da Incerteza e como enfrentar um futuro que não conhecemos

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Faz bastante tempo comento com quem me acompanha que o improvável deveria fazer parte de toda planilha de planejamento das empresas em quaisquer circunstâncias, basicamente porque o futuro não é linear (como estamos de forma bastante clara e cruel tomando ciência neste momento) e nossa mente tende a ser.

Essa humana e inevitável incongruência entre nossa dinâmica de pensar, como se a vida fosse um Excell, em que dados representam pobremente fatos, e a imprevisibilidade do futuro, essa incongruência nos deixa recorrentemente vulneráveis e despreparados para o que já deveria ser mais do que óbvio para todos nós: é impossível prever o futuro e ele será, a história nos ilustra isso eloquentemente, bastante diferente do que imaginamos.

Uma frase que adoro sobre isso é … “não se fazem mais futuros como antigamente”. O futuro que imaginamos ontem não se configura hoje. O futuro que imaginarmos hoje, não se configurará nos anos que vierem.

Seria assim, portanto, mais lógico (já que gostamos de lógica) projetar um futuro improvável, porque a chance de acertar, potencial e conceitualmente, seria bem maior, certo mano?

Supor ingenuamente que nossa razão retilínea, pautada por matrizes fechadas, em que o improvável não ganha relevância é, consequentemente, a melhor estratégia de conduzir-nos a um congênito despreparo corporativo, tão contagioso quanto o vírus que nos assola.

Futurismo tem sido uma ciência que nos auxilia a pautar o improvável. Ela ganhou conceitos e metodologias. E uma das cientistas exponenciais nessa atividade cada dia mais vital em um mundo cada vez mais incerto é, você conhece, a Amy Webb. Ela deu forma, estrutura e consistência metodológica ao que eu, apenas por intuição e sem saber direito como fazer, sempre imaginei. O imprevisível como dado de realidade. E do planejamento das companhias.

Recentemente, já com a crise pandêmica instalada, ela publicou um artigo que todos deveríamos ler e, preferencialmente, colocar em prática, chamado “How Futurists Cope With Uncertainty – A simple tool you can use to see plausible future states early”. Leia que vale muito a pena.

Nele, ela explica em detalhes como funciona a tal ferramenta citada no título, que é The Axis of Uncertainty, ou os eixos da incerteza. O princípio desses eixos (como o próprio nome revela) é colocar o incerto e o improvável em igual grau de relevância frente ao que achamos mais razoável e certo de ocorrer. Esse princípio fere nossa razão de morte, porque parece burro. Pois burro e limitado é exatamente o oposto, pelas razões que já expus aqui.

Como não temos condição de prever, com certeza acurada, o que vai acontecer conosco, neste momento de crise, nem nas próximas semanas, o objetivo dos eixos de incerteza não é fazer previsões, mas estruturar preparações. Não diante de um, mas inúmeros cenários.

Ela explica em detalhes como fazer para preencher essa planilha da incerteza, veja lá no artigo, aqui é complicado de explicar. Mas grosseira e resumidamente, a ideia e elencar as incertezas (não as certezas) macro externas, também as incertezas internas, e ir cruzando-as de várias formas diversas. Ela ensina como. As incertezas externas deverão determinar alinhamentos de mais longo prazo, as internas revelarão as ações táticas mais imediatas a serem tomadas e o cruzamento das principais tendências de cada grupo, externo e interno, determinarão como o ambiente externo impactará a operação interna da companhia.

Aí, colocamos tudo isso numa linha de tempo e, diante desse dashboard de incertezas, teremos, como já dissemos, não uma previsão do futuro, mas um mapa precioso de como se preparar para o incerto, que, certamente, virá.

Em alguma medida, num quadro otimista, você poderá até mesmo conseguir enxergar algumas possíveis tendências que deverão mais provavelmente se apresentar, o que dotará suas decisões de um grau razoável de previsibilidade. De novo, não para ter certezas absolutas do que virá, mas certezas de como você deve se preparar diante das imprevisibilidades que, certamente, essas sim, se apresentarão pelo caminho.

É um método às avessas do que as empresas todas fazem há anos. Por isso tem seu valor único.

Adiciono ainda que, nestes tempos incertos que nem sabemos quanto tempo irá durar, o ideal é termos dentro da empresa um squad de guerra (war room) para tomada de decisões ágeis, porque o imprevisível virou nossa única certeza e porque a única forma de fazer frente ao imprevisível é ser igualmente surpreendente e veloz no seu enfrentamento.

Os eixos da incerteza precisam ser checados e re-checados periodicamente, porque o futuro é móvel. Nossas decisões e ações devem e precisam ser assim, igualmente improváveis, únicas, originais e flexíveis.

Nossa indústria deverá ser atingida de forma impactante pela crise econômica sistêmica que se espalhará pelo corpo de toda a economia global nos próximos meses. Inevitável.

Mais que uma razão para usar a inevitabilidade a nosso favor. Como nos ensina Amy, estarmos prepararmos e agirmos. Isso não é planejamento. É ação em tempo real. Diferente. Mais eficiente para o momento.

Nossa indústria, por outro lado, tem como sua alma mais íntima e única, ser criativa e original. Fazemos isso o tempo todo. Comemos originalidade com pão na chapa todo dia no café da manhã, certo ou não?

Por que não usá-la agora, neste momento tão absurdamente incerto, para criarmos soluções inovadoras e fora da caixa para nossas empresas e as empresas de nossos clientes e parceiros de forma dinâmica e igualmente sistêmica?

Por que não deixar que o vírus da criatividade contamine todos nós?

Essa é a melhor vacina que temos a nossa disposição no momento.

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