A crise pandêmica mundial revelou e acelerou a visibilidade de um setor de tecnologia que está em ascensão meteórica.
Trata-se das tecnologias que permitem avaliar, com precisão, estado de saúde de forma remota e “mobile”.
Há uma ciência muito interessante por trás dessas tecnologias. Cerca de 20 anos atrás a Força Aérea Americana (o setor de Defesa… sempre eles!) encomendou um estudo para se desenvolver um sistema confiável e prático para monitorar e gerir a fadiga de pilotos de combate. Desse esforço nasceu a “Actigrafia”, hoje embarcada em tudo que é “wearable” sob o título de “Sleep Tracker”.
O efeito mais importante dessa iniciativa foi que a partir desse momento consagrou-se a percepção que havia muita informação valiosa na superfície do nosso corpo que está ricamente disponível para servir à nobre causa da saúde individual personalizada e poderia ser pesquisada.
O impacto revolucionário dessa ciência e desse conceito só está começando e ser sentido agora, quando as pessoas no mundo todo estão isoladas por conta do risco de contágio de COVID e precisam de suporte remoto.
Com os recursos que conseguimos embarcar hoje em dia, podemos captar dados de batimento cardíaco, actigrafia e oximetria, por exemplo, que são processados dentro de modelos biomatemáticos, apoiados por inteligência artificial e “machine learning”, que nos levam a um novo patamar de precisão, acurácia e previsibilidade.
A inserção desse tipo de tecnologia na cadeia de valor humana, tanto no ambiente de gestão de saúde, como nos ambientes de risco elevado (transporte terrestre e aéreo, indústria pesada, navegação, energia etc) dispara um processo de eficiência e segurança sem retorno.
O que poucos sabem (poucos mesmo) é que o Brasil tem lideranças expressivas nessa área. Datando de mais de 3 décadas, diversos centros de pesquisa no Brasil, entre eles destaco o Instituto do Sono aqui em São Paulo, vem produzindo ciência de ponta, referência mundial, assentando um sólido acervo acadêmico cobrindo processos de monitoramento e gestão de saúde, incluindo o campo de modelagem biomatemática avançada.
Neste momento histórico que vivemos, testemunhamos em ação aquele clássico ditado, que diz : “A Necessidade é a Mãe da Inovação”.
A crise pandêmica estimula o casamento dos avanços tecnológicos computacionais com os avanços de biomatemática em ciência médica aplicada, produzindo resultados extremamente funcionais, práticos e de baixo custo.
Essa união integra a musculatura digital disponível em servidores na nuvem, com recursos avançados de inteligência artificial e machine learning, habilmente dispostos em algoritmos modelados com base biomatemática, atrelados a um dispositivo “pessoal”, que pode ser um “wearable” ou mesmo um smartphone, fazendo o papel de “edge”.
Esse conjunto entrega com riqueza preditiva informações contínuas que estão salvando vidas. Isso não é projeto. Isso já é uma realidade em produção, em campo, no Brasil. …esperem um pouco… está bipando aqui…. opa… enquanto escrevo este artigo acabo de receber um alerta e estou encaminhando uma pessoa com alteração no quadro infeccioso… (isso é REAL, está acontecendo de fato… em um outro exemplo, há 3 dias interceptamos preditivamente um infarto, permitindo a pessoa chegar em tempo ao Pronto Socorro e se salvar).
Exemplos eloquentes dessa equação podem ser observados na startup Brasileira “EzRezt” (com um pé na California), que, aplicando duas tecnologias diferentes, monitora de forma preditiva diversas condições de risco saúde, abrangendo fadiga, infecção, condição mental (ansiedade e depressão), sinais vitais, glicemia, pré-anamnese remota e a lista segue crescendo.
Naturalmente esse nível de resolução e qualidade não está disponível no seu “wearable” de pulso convencional vendido online (nem mesmo os de marcas famosas). É necessária uma camada adicional de tecnologia, mais séria e comprometida, para se atingir a precisão e a personalização inerente aos processos de gestão de saúde.
Há uma linha divisória invisível que está varrendo o mundo neste momento da transformação digital. Essa linha, uma nova fronteira, divide a tecnologia digital que ocorre fora do seu corpo, melhorando sua vida prática, para aquela que vai além disso e promove a qualidade da própria vida, cuidando do interior do seu corpo.
Para se beneficiarem dessas evoluções, há, em um primeiro momento, um universo de 10 milhões de Brasileiros que perderam seus planos de saúde ao longo dos últimos 5 anos de crises. A esses interessa poder compensar a perda de acesso à tratamento privado, com uma boa dose de monitoramento próprio acessível. Há, em seguida, mais 44 milhões de Brasileiros inseridos nos planos de saúde suplementares, e ainda mais 150 milhões de Brasileiros dependentes do SUS, para quem o monitoramento preditivo é desejável como ferramenta de vida saudável e corte de custos para as instituições de gestão de saúde. Dentre esse contingente há aqueles que se dedicam a atividades de risco (só de motoristas de caminhão estradeiros o Brasil soma 3 milhões de profissionais), e há aqueles que carregam condições crônicas, como diabetes, obesidade, limitações cardiovasculares e outras. Ou seja, estamos falando de um imenso potencial de saúde e prevenção a riscos.
E, em que pese a atual (e correta!) preocupação com a privacidade invadida pelo universo digital, essa nova fronteira é das mais inocentes.
Ao contrário dos temas que permeiam o debate sobre privacidade digital, as tecnologias preditivas biomatemáticas não tem qualquer interesse ou mesmo utilidade nas informações comportamentais do usuário, que tanto abalam a sociedade no seu debate de privacidade. Essas tecnologias de saúde não se interessam em saber se você compra isso ou aquilo… se você frequenta esse ou aquele local… se você tem a opinião “x” ou a “y”. Essas tecnologias só se interessam em se você está “bem” ou não. Simples assim.
Fiquem de olho ! Nesta revolução, animadora e produtiva, essas tecnologias vêm para cuidar de nossa saúde, trilhando o doce caminho de nossas vidas, com o mesmo afinco que usamos Waze para chegar em destinos amados.
Fernando Coelho é empreendedor tecnológico, originalmente físico e cineasta, ex-executivo e entusiasta digital.