É fácil criticar Davos. Basta querer.
A ideia de um fórum global que congregue todas as nações na busca de soluções conjuntas para problemas econômicos, hoje cada vez mais comuns entres todas elas, por si só, e já na sua própria base conceitual, parece uma grande bobagem. Diriam – e dizem – os críticos: esse interesse comum não só não existe, como um Fórum Econômico Global assim tende a deixar de fora os históricos e eternamente excluídos, a saber, os povos, populações e nações mais pobres.
Davos, em verdade, é, como todos os agrupamentos internacionais de grande porte como a ONU, por exemplo, costumam ser, um espaço privilegiado para os que dominam e regulam as forças políticas e/ou econômicas.
Além disso, Davos é sobre Capitalismo. Ponto.
Ao término do evento da semana passada, podemos de fato acreditar que pouca coisa mudou. Sem a China, por causa da Covid, e sem a Rússia, que foi barrada (decisão de exclusão difícil de ocorrer anos atrás), o Fórum expôs, como sempre faz, nossas mazelas. Saímos com a confirmação de tudo o que já sabíamos. Enfim, perto de inócuo.
Mas não ter Davos seria melhor, então? Aí já é um pouco mais difícil de afirmar com a mesma convicção.
Davos tem sido palco de decisões de peso, incluindo para nações consideradas apenas coadjuvantes, como foi o caso do acerto de acomodação da dívida da Grécia anos atrás, ou ainda caixa de ressonância para peitos nada ortodoxos num fórum assim, como os alertas de Greta Thunberg na última realização do Fórum antes da pandemia.
A partir de 2020, quando o Fórum divulgou um novo Manifesto de compromisso global, as questões de ESG passaram a ser parte integrante da pauta de conversações e a ideia de “stakeholders capitalism” ganhou momentum.
O criador do Fórum, Klaus Schwab, que o idealizou há 52 anos, é hoje particularmente defensor dessa nova visão, em que a sociedade como um todo, e não só as empresas e políticos, são consideradas stakeholders do macro ambiente econômico. Demorô.
Mas quanto essa nova visão pode, de fato, influenciar e resultar em mudanças mais equanimente orientadas para uma distribuição de recursos para a maioria e não mais para restritos poucos?
Pouco, talvez. Ainda mais num mundo como o de hoje, mais fragmentado do que nunca, não só por conta de toda a lista clássica que lemos em todas as reflexões sobre o atual momento global, como a inflação galopante, a crise de alimentos e energia, a guerra Rússia-Ucrânia, mas também porque o próprio capitalismo vive um ciclo de reafirmação de si mesmo, tendo seus fundamentos colocados em xeque de forma essencial.
Se antes era complicado, hoje parece impossível.
Mas um mundo sem Davos, em minha opinião, seria um mundo ainda pior. Lá, temos um espelho único, impossível em qualquer outro lugar, de nós mesmos. Da enrascada em que nos metemos. Das dificuldades crescentes de enfrentá-la. Dos silos e mais silos que estamos criando, separando povos e nações, e não o contrário.
Ver tudo isso não é nada bom. Não ver, certamente, é bem pior.